quinta-feira, 18 de novembro de 2010

Educação médica continuada sem financiamento da indústria farmacêutica: é realmente possível? – parte I

Em 2008, realizei o I Congresso Brasileiro de Medicina Hospitalar, no hotel Serra Azul, em Gramado, sem participação da indústria farmacêutica. Não foi um evento “pobre”, muito menos do ponto de vista científico. Conheça melhor o I CBMH clicando aqui. Houve inclusive programação social com cocktail e banda, oferecidos gratuitamente aos participantes. E com direito a renomado médico americano “descendo até o chão” e puxando “trenzinho da alegria” com dezenas de estudantes de Medicina!

Já participei também da organização de evento de grande porte com a participação da indústria farmacêutica e nele também havia palestrantes internacionais. Meu relacionamento com a indústria farmacêutica desta forma se encerrou em 2005 – desde então, não sou contra farmacêuticas, mas defendo educação médica independente.

Eis uma diferença interessante entre os dois modelos: apenas nas experiências que tive fazendo eventos independentes da indústria farmacêutica foi possível observar uma verdadeira aproximação com os convidados estrangeiros – daqueles que organizaram os eventos e também dos que simplesmente participaram deles.

No relatório apresentado pela empresa organizadora do I CBMH e levado ao conhecimento de todos os co-realizadores do evento consta:

Total de Receitas     R$ 185.346,10

Total de Despesas     R$ 165.360,87

Resultado I CBMH     R$ 19.985,23

Em relação ao total de receitas, foi decorrente de inscrições (R$ 68.000, aproximadamente), patrocínios e apoios (restante). Os principais apoiadores do evento foram: Sindicato Médico do Rio Grande do Sul (co-realizador, inclusive), Hospital Mãe de Deus (principal patrocinador), CNPq, ANVISA, Hospital São Camilo, Artmed, Caixa Econômica Federal, WPD e UpToDate.

Os palestrantes internacionais tiveram seus custos cobertos por suas instituições e isto não está computado acima.

Impactou significativamente em despesas a opção dos organizadores de fazer uma atividade no pomposo Cinema de Gramado, onde reproduzimos o filme The Hospital e discutimos Medicina Hospitalar com pipoca e refrigerante. Poderia ter sido o resultado maximizado, mas não foi por estratégia.

Seria um resultado insuficiente, em não se tratando do muito peculiar I CBMH. Sociedades médicas, para que garantam sustentabilidade e, até mesmo, independência, precisam de muito mais.

Lições do I Congresso Brasileiro de Medicina Hospitalar:

  1. Tendo sido o primeiro grande evento no Brasil desta área nova na Medicina, houve aproximadamente 600 participantes, um público considerado excepcional para o congresso em questão especificamente, mas ainda distante daquele usualmente atingido nos tradicionais congressos médicos de especialidades consagradas. Fosse o mesmo público de mais de 5.000 mil pessoas que esteve presente em evento que ajudei a organizar em 2005 (contando com a participação da indústria farmacêutica), as despesas aumentariam, mas não na mesma proporção das receitas. Grandes congressos têm maior facilidade de serem feitos de maneira independente.
  2. Não fosse o fato de que no I CBMH nosso principal objetivo foi tornar o hospitalista conhecido, poderíamos ter cobrado mais pelas inscrições e teria havido um resultado melhor. Vejam os números: 600 participantes, R$ 68.000 de inscrições. Fazendo 68.000/600, o resultado é aproximadamente 113. Seriam, em média, R$ 113 por participante, ou seja, um valor subsidiado. Oferecemos ainda muitas cortesias para atrair formadores de opinião. A lição aqui: é possível boa arrecadação através de inscrições, não tendo sido exatamente esta a política empregada no I CBMH, por opção. Têm os médicos, eles próprios, condições de bancar grande parte do custo de um evento deste porte, que, repito, não foi pequeno.
  3. Com o número de patrocinadores e apoiadores que participaram do I CBMH, e que foi pequeno, já não foi nenhum absurdo o que cada um investiu no evento. Em se tratando a Medicina Hospitalar de algo ainda pouco conhecido em nosso meio e, naquela época, havendo significativa desconfiança de alguns importantes players do sistema com os “hospitalistas”, fica evidente que uma sociedade médica consolidada é capaz de fazer mais e melhor.
  4. Nossa agência de eventos, na época, não foi muito efetiva na prospecção de parceiros comerciais. Isto ocorreu por questões inerentes ao evento em si, mas também por deficiências próprias. Um modelo mais profissional de gestão de eventos do que empregamos em 2008 e a garantia de público que sociedades médicas tradicionais já possuem antes mesmo dos eventos serem lançados pode sim garantir a viabilidade de projetos independentes das farmacêuticas e mais do que isto, que sejam muito bem-sucedidos.
  5. O número de médicos efetivamente envolvidos na construção I CBMH foi três. Alguns já disseram, ao avaliar os números expostos mais acima, que uma sociedade médica "de verdade" precisa de eventos que dêem resultados muito melhores. Na minha opinião, uma sociedade médica de verdade precisa de participação, envolvimento, colaboração, e trabalho em equipe entre seus membros. O resto será conseqüência. Houve muito pouco disto em 2008. Ocorreu crescimento de lá para cá, mas ainda não atingimos o ideal, ou mesmo chegamos próximos disso. A falta de envolvimento pode ser porque representamos um movimento relativamente novo e com barreiras a superar e/ou porque não soubemos agregar pessoas. Acredito fortemente nisto aqui como causa raiz: CULTURA! É muito comum forte distanciamento entre a maioria das sociedades de especialidades e seus membros, que costumam ser excessivamente passivos. E acho que até neste aspecto houve inovação na experiência que liderei mais recentemente (PASHA2010) e que será discutida em breve – sem deixar desde já de registrar que ainda seria necessário maior e melhor envolvimento de pessoas para maximizar resultados. Não tenho dúvidas, entretanto, de que isto é tangível. Percebo, inclusive, que nas minhas experiências com a Medicina Hospitalar de um modo geral houve (progressiva) maior participação de pessoas da linha de frente do que já fui capaz de observar em outras várias organizações e cenários. A lição aqui é: se um pequeno exército de médicos se envolver para construção de eventos em sociedades médicas e tiver um bom auxílio profissional, é possível fazê-los bem-sucedidos sem a farmacêuticas ou indústria de dispositivos para uso direto em pacientes.
  6. É possível! Mas não é aconselhável inovar de maneiras diferentes de uma vez só.
Veremos em breve como foi com o PASHA2010.

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