terça-feira, 19 de abril de 2011

O que está por trás da recriação do modelo no Brasil?


Segundo o entrevistado, o hospitalista "organiza prontuários mantendo a documentação em ordem e válida". Diz que o médico hospitalista não poderia ficar responsável pelo paciente, que ele é "um colaborador do médico do paciente, detentor da confiança e da escolha do paciente. Sendo que esta relação de confiança é essencial para a prática da Medicina e jamais poderá ser quebrada". Perceba que foi lançada uma verdadeira maldição sobre o modelo de Medicina Hospitalar!

Nunca é demais repetir que a adesão a programas de Medicina Hospitalar nos EUA costuma ser voluntária por parte de médicos assistentes e pacientes.

Lembrei muito da expressão "esta é a maneira pela qual sempre trabalhamos aqui", muito combatida no livro 'Como fazer a segurança dos hospitais decolar?', que adorei e que discute trabalho em equipe de uma maneira fantástica.

Com o mesmo estilo empregado pelo autor da entrevista, há referências de outros ao hospitalista como "um médico para transcrever prescrições", "fornecer atestados ou declarações para pacientes e acompanhantes na ausência do assistente". Lamento dizer, mas isto é o anti-sistema!

O que é Medicina Hospitalar é de fácil aprendizado. O que é diabolicamente difícil é convencer as pessoas a abandonar a maneira pela qual sempre trabalharam, a abandonar seus receios profissionais e pessoais, e se engajarem por inteiro na promoção da inovação.

Há pessoas que definitivamente conhecem o modelo citadas na revista. No livro 'Como fazer a segurança dos hospitais decolar?', o autor descreve "uma velha história sobre um menino com um grande balde de caranguejos vivos que os está vendendo numa doca na Nova Inglaterra, e vem um turista e fala para ele: - Garoto, é melhor você conseguir uma tampa para o seu plantel aí, antes que eles escalem as beiradas e fujam. O garoto, sem se abalar, responde: - Logo se vê que o senhor não sabe nada de caranguejos. Eles não consegue sair dali. Se um deles tenta escapar, os outros logo se unem e puxam ele de volta". O que está por trás da recriação do modelo no Brasil por parte de quem o conhece bem? É apenas o efeito "esta é a maneira pela qual sempre trabalhamos aqui" puxando caranguejos que um dia se empolgaram com o modelo para dentro do balde? Porque do discurso que traduzia um amplo entendimento da proposta, das maneiras de aplicá-la com a ética exigida (vide comentário meu iniciado por 'Esta discussão a luz do novo Código de Ética Médica'), inclusive contemplando seus pontos negativos, como a quebra de continuidade entre o hospital e o ambulatório, bem como estratégias para lidar com isto, resta agora a defesa de um plantão clínico purpurinado.

Citam a Mayo Clinic na reportagem, pois usemos ela de exemplo através de Bob Wachter, quem cunhou o termo hospitalista:
Can healthcare organizations and physicians be incented to deliver the highest quality, safest, most reliable, most patient-centric care at the lowest possible?

I think they can, if they have a strong hospitalist program.

I know that some accuse me of seeing hospitalists as the answer to every question (“What did you have for breakfast today, Bob?” “Oh, hospitalists.”). They’re not.


...

And I am painfully aware that there are some crummy hospitalist programs out there, capable of perpetuating, even expanding, some of the ills the movement was meant to heal.

Yet I’ve seen many hospitalist programs that have created little islands of Mayo-like practice: with strong hospital-physician partnerships, appropriate focus on both quality and costs, thoughtful balancing of individual and group benefit, real passion for systems improvement, and exemplary physician-nurse teamwork.

...

The importance of a strong hospitalist program extends beyond direct changes in clinical care. Such programs may help model a new system of less dysfunctional hospital-physician relationships. When the market or policymakers finally get around to forcing hospitals and medical staffs into each other’s metaphorical arms, both parties are more likely to embrace the lessons of their own successful hospitalist program than of bright but distant supernovas like the Mayo Clinic.

A quebra de continuidade entre o hospital e o ambulatório é obviamente uma conseqüência do modelo que potencialmente pode trazer perigos. Se precisa ser bem trabalhada, também é verdade que já no modelo tradicional esta continuidade está ficando cada vez mais rara, por diversas razões.

O fato é que ganha força no Brasil um movimento contra o modelo, que aparece, muitas vezes, tentando se passar pelo próprio modelo. Ou que quando questionado, responde com vocabulário próprio de movimentos modernos como o de segurança do paciente, para tentar nos desestabilizar. Exemplifico: "o hospitalista existe para dar apoio ao médico assistente, transcrever suas prescrições para não atrasar as medicações e atender as intercorrências". Tu questionas e rebatem: - "Você não acha importante atender prontamente o paciente? Veja toda literatura a respeito do assunto, da importância do time certo do atendimento nestas circunstâncias, não leu mais um artigo que saiu ontem sobre o desastre prognóstico e em custos que representa uma parada cardíaca evitável?". Sobre a questão da transcrição de prescricões dos médicos assistentes: - "Não tem lido sobre o impacto do atraso no emprego de antibióticos em prognóstico da sepse grave? Seu foco é querer ser o protagonista ou seu foco é o paciente? Para compreender estas questões modernas tem que se despir de ideias ultrapassadas e aprender a trabalhar em equipe". E por aí vai...

Hoje levei para os novos diretores da SOBRAMH algumas sugestões sobre isto:

Eu somente vejo uma saída para nosso movimento, se quiser representar o profissional da linha de frente que for atuar de hospitalista. Não tem muito alcance contrapor cada coisa que sai deturpando o modelo. Não tem muito alcance esta postagem. A saída é inserirmos constantemente informação no site da sociedade e em outros meios reforçando o que é o modelo e valorizando as iniciativas que já existem em nosso país, pois SIM, ELAS EXISTEM, não é preciso maquiar. Há alguns anos conheci experiência bacana em SP no Hospital Paulistano, há os cases selecionados no PASHA2010. Penso que devemos criar instrumentos para avaliações padronizadas das experiências nacionais e valorizar aquelas onde a mudança cultural, barreira mais importante para crescimento do movimento, está pelo menos em discussão avançada; dar destaque para lideranças do setor que reproduzirem o necessário discurso da mudança, convidando para figurar no site da SOBRAMH aquele gestor ou consultor "moderninho" e dando o ibope que ele merece por "pular fora do balde". Se preciso for, destacar a organização do "vizinho", em detrimento da nossa. Vai que ao aproximá-lo, tu ainda não tiras uma lasquinha e rouba uma ideia? No moderno movimento de segurança do paciente, nós não vacilamos em roubar ideias quando elas servem para ajudar nossos pacientes. São as minhas opiniões... Estou preocupado com o futuro do movimento e queira muito escutar os clínicos!

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