sábado, 21 de julho de 2012

Em primeiro lugar, não causar dano

por ANTONIO QUINTO NETO*, ZH 21/07/2012

A população tomou conhecimento, em um período relativamente curto, de dois dramáticos episódios unidos por uma falha comum _ engano do lado. Uma senhora idosa, que havia sofrido uma fratura de fêmur, foi operada do lado errado, enquanto uma jovem submeteu-se a um transplante de córnea no olho errado. Os procedimentos foram corretos, mas executados do lado sadio. Por que ocorrem incidentes desse tipo? As duas situações, absurdamente patéticas, incitam ao imediato julgamento negativo dos médicos, sendo essas condutas imperfeitas entendidas como resultado do esforço insuficiente em atender o paciente ou da incapacidade profissional.

A assistência à saúde é uma atividade potencialmente arriscada, onde falhas podem causar danos sérios. Alguns temporários, outros permanentes, podendo levar à morte. As pessoas sempre tiveram a percepção de que os cuidados de saúde envolvem riscos, daí o temor que habitualmente sentem. Quando essa percepção se concretiza em fatos reais, como os referidos anteriormente, então o que era medo adquire a dimensão do pavor. Sobra o alívio de que estes acontecimentos são raros entre milhares de pacientes cuidados diariamente, o que não diminui a aflição dos prejudicados e seus familiares.

As pessoas são falíveis, inclusive os médicos, muito embora a perfeição seja esperada pelos pacientes e, às vezes, enaltecida por aqueles. Diante da implacável falibilidade humana, resta a possibilidade de modificar-se as condições nas quais as pessoas atuam, de modo a restringir ações que transportem defeitos e possam ocasionar dolorosos incidentes assistenciais.

Ao contrário da opinião pública em geral, a maioria das causas dos incidentes não se origina precisamente nos profissionais, mas no contexto geral em que são realizados os cuidados médico-assistenciais. As causas vão desde a forma como os gestores conduzem os serviços de saúde, passando pelas condições de trabalho dos profissionais, capacidade e demora no atendimento, assim como pela cultura que privilegia o culto da personalidade e institui um gradiente de autoridade que impede a comunicação de falhas ao longo da cadeia dos cuidados prestados. Aliás, há uma excessiva valorização do ato de humilhar e culpar as pessoas que perpetram falhas, na crença de que tal conduta reforça a necessidade de fazer as coisas direito e auxilia na elevação do senso de responsabilidade. Na verdade, essa conduta gera uma atmosfera opressiva e atemorizante que induz os profissionais a omitirem falhas ou se defenderem com vigor quando acontece um incidente.

A razão da existência de um serviço de saúde são os pacientes. A pessoa que carece de cuidados deve ser o centro da preocupação de todos, cabendo aos gestores a produção de um clima de confiança e a garantia das condições essenciais à segurança, tanto dos pacientes quanto dos profissionais. Estes, por sua vez, precisam cultivar, para o bem daqueles e de si próprios, a honestidade de revelar falhas e discutir incidentes.
Na assistência à saúde os riscos são muitos e diversos. A segurança, consequentemente, vai muito além da dedicação e do esforço individual. Numa era em que a informação e o conhecimento não se limitam mais aos médicos, pacientes e familiares precisam assumir uma atitude ativa, perguntando, certificando-se e, principalmente, decidindo se aceitam ou rejeitam as indicações apresentadas, tornando-se, dessa forma, copartícipes dos cuidados recebidos.

*Médico em Porto Alegre

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