domingo, 23 de dezembro de 2012

O ambiente profissional, os laços que nos unem e as pequenas trapaças cotidianas


Em decorrência de algumas situações nos últimos anos onde o comportamento de pessoas que tinha como parceiras fez com que me sentisse desapontado, fui mais fundo em tema que de certa forma já estudo há um bom tempo quando leio sobre conflitos de interesse na Medicina: desonestidade e pequenas trapaças.

Folhando agora ‘A mais pura verdade sobre a desonestidade‘, de Dan Ariely, encontro algumas respostas, e com elas a vontade de me reaproximar de alguns destes “trapaceiros(as)”, fôssemos capazes de aceitar nossas tomadas de decisões equivocadas e nossas vulnerabilidades, como quando inconscientemente agimos em prol de nossos íntimos desejos egoístas apenas. E rir de tudo isto...

Questionássemos médicos em geral e muitos destes que me desapontaram (este grupo previamente), ou pessoas em geral, se aceitariam que, no seu clube esportivo, associação de bairro, sindicato, confraria ou sociedade médica, as eleições fossem fraudadas ou ignoradas, passando por cima do estatuto e de um grupo silencioso mas que inclusive pagou para fazer parte, a imensa maioria diria que não. E que reagiria caso isso acontecesse. Se perguntados na ausência de qualquer fato, apenas como um “teste moral”... Perguntássemos se participariam de alguma maneira da marmelada, muitos ficariam até ofendidos.

Quais forças imobilizam tantos que silenciam quando situações deste tipo acontecem na nossa cara, enquanto condenam nas redes sociais práticas semelhantes por quem está longe demais para confrontá-los ou reagir?

Como é interessante observar pessoas racionalizando e relativizando quando envolvidas em situações deste tipo. Envolvidas indiretamente, porque omissas acabam dando sustentação, costumam dizer (para os outros, mas principalmente para si mesmas): “Tenho mais o que fazer”. Ou arranjam inimigos distantes maiores para justificar apoio a quem faz errado (eu já fiz isto algumas vezes).

Quando compõem a nominata diretamente envolvida na transição/gestão trapaceira, respondem:
- “Eu mereço estar ali, tenho trabalhado muito pelo movimento”;
- ”Meu potencial de contribuição ao movimento é grande, só respondo por mim mesmo e tenho a minha consciência tranquila”;
- ”Quem talvez esteja trapaceando é quem está liderando. Não me envolvo nos porões da política. E de um jeito ou de outro, se eu não participar, o movimento perde mais”.
Eu, eu, eu, eu, eu....

Agora imaginem uma organização médica cujo fundador é impedido de assistir a uma eleição ao final de mandato, estando alguns históricos parceiros no grupo que viria a promover a baita marmelada. Dan Ariely discute o porquê em seu livro. Querem se beneficiar (na melhor relação benefício/comodidade). Se para viabilizar, estivessem ”os líderes” empregando diversas ações para impedir ou desmotivar a participação de sócios adimplentes, enquanto compõem com “parceiros” nunca adimplentes, caracterizando uma fraude, por que os bons se omitiriam ou até participariam disto? Ariely sugere, provocativo e mostrando estudos e evidências, que, tivesse este sócio que entregou dinheiro à associação não feito isso através do sistema online, mas através de dinheiro vivo e de um destes que “apenas participam“ (em mãos), uma situação que na essência é a mesma que a criticada, teria neste colega um defensor e, mesmo que não conseguissem (ao menos) resgatar o dinheiro da conta da entidade, muito provavelmente este diretor tiraria do próprio bolso para reparar o dano.

Pois quase aconteceu a baita marmelada... E interessante foi observar um colega que entraria como membro da nova gestão em coordenação de comitê, e não na diretoria propriamente dita. Questionando, racionalizou dizendo que tinha tomado a “distância necessária”, mas fez julgamento negativo implacável de todos que estavam na diretoria. Enquanto neste último grupo, dos que ficaram mais para trás, muitos fizeram o mesmo em relação a quem viria a compor a alta cúpula e estaria de fato “conduzindo o processo”.

Há pessoas que pagaram e, como sócios ativos, não são convidados para discutir o futuro da entidade. Houve pessoas tentando se “eleger”, mas sequer estavam quites ou nunca foram sócios. Estes que estavam indo na onda, mas como “coadjuvantes” (maneira como muitos se auto-intitularam), seriam incapazes de pegar para si R$ 1,00 esquecidos na mesa por qualquer um dos sócios pagantes. Mas não mantêm vivo em suas mentes o fato de que, viessem a ser subsidiados para qualquer coisa lá na frente como diretores, estariam potencialmente usando eles próprios o dinheiro de um deles.

Dan Ariely, em seu livro, diz que as pessoas estão mais propensas a cometer atos desonestos ou trapaças na presença de objetos não monetários e quanto mais distantes do núcleo da marmelada. Em outras palavras, que participar de trapaças envolvendo dinheiro vivo e prejuízos diretos é para poucos. Mas que a maioria de nós racionaliza distantes disto, e o quanto mais distantes mais racionaliza e relativiza. E que este talvez seja um forte combustível, enquanto o ato mais desonesto apenas a faísca.

A tese central do autor é a seguinte:

Que nosso comportamento é conduzido por duas motivações opostas. Por um lado, queremos nos ver como pessoas honestas e honradas. Queremos poder olhar no espelho e nos sentir bem em relação a nós mesmos (os psicólogos chamam isto de motivação do ego). Por outro lado, queremos nos beneficiar com a trapaça e ainda nos vermos como pessoas maravilhosas.

Lendo o livro, surgiu a pergunta:

Se tivessem que assinar do próprio punho com “as lideranças” atas e outros documentos que materializariam um golpe, agiriam igual? Haveria diferença assinando no fim ou na largada?

Ariely sugere... bom, quem tiver curiosidade, que leia o livro.

Feliz Natal!
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