sexta-feira, 3 de maio de 2013

quarta-feira, 1 de maio de 2013

Fraudes médicas e hospitalares

O cerco aos médicos que indicam cirurgias desnecessárias e lucram muito com isso parece estar se fechando. Pelo menos nos Estados Unidos.

Há duas semanas, agentes do FBI prenderam o CEO, um executivo e quatro médicos do Hospital Sagrado Coração de Chicago acusados de envolvimento com um esquema de propina que levou pacientes a serem submetidos a procedimentos desnecessários e arriscados.

Segundo o "Chicago Tribune", o FBI contou com a colaboração de funcionários que estavam envolvidos no esquema, mas que entraram num programa parecido com o nosso delação premiada para ajudar nas investigações.

Os procedimentos considerados desnecessários incluíam sedação, implantes penianos e traqueostomia e eram pagos pelo Medicaid e pelo Medicare, programas públicos de saúde do governo norte-americano.

A fraude envolveu pelo menos US$ 2 milhões de reembolsos indevidos e mais de US$ 225 mil em subornos pagos a médicos só no ano de 2012. Médicos também são acusados de receber propinas indiretas, com supostos treinamentos a estudantes que nunca existiram.

De acordo com o procurador Gary Shapiro, o hospital subornava médicos para encaminharem pacientes para a instituição. "A qualidade do atendimento médico era menos importante do que a maximização do número de pacientes canalizados para o hospital."

Os investigadores federais disseram que começaram as investigações no início deste ano, depois de saber que os médicos estariam realizando uma traqueostomia desnecessária em um homem idoso.

Três testemunhas decidiram cooperar com a investigação depois de serem pegas na fraude. Uma delas gravou o CEO Edward Novak dizendo que as traqueostomias são "a maior máquina de fazer dinheiro". O hospital recebia cerca de US$ 160 mil para o procedimento, se o paciente permanecesse internado por pelo menos 27 dias.

"Toda vez que você se depara com um caso em que os pacientes estão sendo usados como massa de manobra para o lucro, isso é muito problemático", diz Lamont Pugh, chefe do HHS (departamento de saúde e serviços humanos) em Chicago.

De acordo com depoimentos, um dos médicos envolvidos realizou 28 traqueostomias desnecessárias em pacientes do Medicare desde 2010. Cinco desses pacientes morreram após duas semanas da cirurgia. As investigações continuam.

Ano passado, outra investigação havia descoberto que "Hospital Chain Internal", maior cadeia de hospitais privados dos Estados Unidos, vinha realizando tratamentos cardíacos que não eram necessários para a saúde do paciente.

O fato ocorreu nas unidades da Flórida e foi descoberto após uma reclamação de uma enfermeira do local. "Aquilo vinha me incomodando. Eu sou uma enfermeira e me preocupo com os pacientes", afirmou C.T. Tomlinson em entrevista ao "New York Times".

Em menos de dois meses, uma investigação interna confirmou a fraude: "as alegações sobre procedimentos desnecessários sendo realizados no laboratório de cateterismo são fundamentadas", afirmou um relatório confidencial escrito pelo diretor de ética da empresa, Stephen Johnson.

As provas encobertas pela cadeia desde 2010 mostraram que cardiologistas de vários hospitais da Flórida não podiam justificar os procedimentos que eles estavam realizando nos pacientes. Em alguns casos, os médicos fizeram declarações enganosas em registros médicos para justificar os procedimentos, segundo os relatórios.

Não me admiraria nadinha se fraudes desse tipo fossem descobertas por aqui também. O atual modelo de remuneração dos hospitais (fee for service, ou pagamento por procedimento numa tradução livre) favorece esse tipo de sacanagem. Quanto mais exames e procedimentos são feitos, mais os hospitais ganham dos planos de saúde.

Atualmente, a ANS (Agência Nacional de Saúde Suplementar) está estudando um novo modelo de remuneração baseado em pacotes. A ideia é definir um grupo de procedimentos com desfechos "previsíveis" (uma cirurgia de apêndice, por exemplo) e pagar o mesmo valor para todos os hospitais.

Inicialmente, haverá um projeto piloto com cerca de 20 instituições participantes. Ainda que haja resistências óbvias, é um começo. Esse é um assunto que interessa a toda sociedade e precisa ser amplamente discutido. Afinal, somo nós, consumidores de serviços de saúde, que estamos pagando essa conta.

por Cláudia Collucci, repórter especial da Folha e especializada na área da saúde
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